CRIANDO CRIANÇAS CRIATIVAS

É através do brincar que as crianças se desenvolvem. Esse é o grande trabalho delas na infância. Transformar, de algum modo, as experiencias vivenciadas em jogos lúdicos que as auxiliem a ressignificar, dentro de suas possibilidades, a realidade que as cercam. Igualmente, o estímulo à imaginação, à fantasia, à criatividade deve ocorrer paralelamente ao progresso cognitivo dos pequenos.

Assim sendo, tão relevante quanto a aquisição de novos conhecimentos tácitos é a possibilidade de experimentação da fantasia. E crianças naturalmente exploram esse universo. Imaginam monstros e princesas. Super-heróis e dragões. Bandidos e mocinhos. Criam mundos inteiros em questões de segundos, ampliando assim também sua compreensão da vida e das relações nela existentes.

Nesse microcosmos fabuloso, construído do zero, é possível esboçar todos os personagens e suas interações da maneira como gostaríamos.  E é exatamente isso que nossos filhos fazem. Eles reproduzem na brincadeira uma cena experimentada, contudo, já filtrada por suas especificidades. Contudo, essa repetição nunca é inteiramente fidedigna. Ela sempre traz consigo algo novo, referente a percepção da própria criança.

Desse modo, se em sala de aula, por exemplo, eles foram repreendidos por um professor, na brincadeira, são eles quem assumem o comando, censurando os alunos. Essa troca de papéis auxilia na assimilação, uma vez que ele sai da posição passiva e se coloca num lugar de sujeito, ativo. Com isso, encena diversas maneiras de compreender uma nova situação ou comportamento, através da inventividade.

E nós, pais, somos também responsáveis por propiciar um ambiente onde os pequenos tenham a capacidade de escapar da realidade. Somos nós quem adequamos o ambiente, de forma que ele fique propositalmente preparado para a criança. Buscando com que tudo o que está ao alcance dela possa realmente ser tocado e experimentado sem oferecer nenhum tipo de risco, propiciando assim, maior liberdade para a exploração do espaço.

A PREPARAÇÃO DO LOCAL

Ao contrário do que muitos pensam, intrinsecamente nascemos com a tendência a fantasiar. Para tudo aquilo que não temos respostas, vamos criando hipóteses, preenchendo brechas de informação. E inclusive é assim, que cada um de nós, em algum momento, passou por aquelas reflexões primeiras sobre como nascemos, porque somos diferentes ou como chegamos um dia a estar dentro da barriga de nossa mãe.

No entanto, ao longo da vida, por condicionamento da própria cultura, vamos suspendendo esse lado mais curioso e criativo e nos focamos na praticidade e na razão. Como esses últimos costumam ser mais valorizados em nossa sociedade, ganham certa primazia. E assim, seguimos, paulatinamente, suprimindo esse espaço mais voltado para a ludicidade e para a expansão de nossa imaginação.

Entretanto, se desejamos desenvolver a criatividade de nossos filhos, precisamos agir na contramão desse pensamento. Já que o mundo fará essa restrição, precisamos nós oportunizar espaços onde eles possam livremente criar, imaginar, sonhar. Buscar ativamente situações em que eles consigam utilizar sua fantasia para responder questões ou refletir sobre as distintas possibilidades que lhes cercam.

E, seguindo essa mesma linha de pensamento, a preparação do ambiente não se restringe, portanto, ao lugar físico, embora esse também deva ser levado em consideração. Mas também a quantidade e variedade de estímulos que podemos ofertar para incitar a criação do novo. Para despertar a vontade verdadeira neles de inventar, fornecendo assim subsídios para a sua ampliação física, emocional e social.

Aqui cabem histórias, passatempos, desafios que impulsionem os pequenos a sair de sua zona de conforto. São sempre muito bem-vindas também as artes, em suas mais variadas composições: músicas, teatros, pinturas, cinemas, museus – agregam bastante nesse sentido, ajudando-os a perceberem diferentes sensações ou habilidades distintas, através dessa experimentação.

O FORNECIMENTO PROPOSITAL DE LACUNAS

O processo criativo somente ganha lugar para florescer, quando existe espaço. Se preenchermos com informações e atividade o tempo da criança ela não terá a oportunidade necessária para gerar algo novo. Nesse sentido, é fundamental que exista um período específico que pudéssemos nomear de hora do nada. Sem jogos, televisão, sem atividades direcionadas. Aqueles instantes onde os pequenos se percebem livres e sem regras, podendo fantasiar.

À vista disso, as ferramentas mais apropriadas que podem ser utilizadas, são especialmente as não estruturadas. Ao invés de bonecas, bolas ou carrinhos, deixem seus filhos brincarem com blocos de montar, argila, papeis em branco. Forneça a eles menos restrição e mais possibilidades. A massinha é um exemplo excelente de instrumento que pode se transformar em qualquer coisa, podendo, desse modo, construir variadas situações.

Por conseguinte, quanto mais flexível forem as características concretas dos brinquedos, maior a chance de inventar. Ademais, é importante que durante a brincadeira os pais não se prendam muito às regras do jogo. Se o objetivo em questão for estimular a criança a expandir seu potencial criativo, o faz de conta é essencial. Transformar algo em outra coisa. Fazer surgir o que nunca existiu.

E assim, um tapete velho vira uma capa de herói. Sapatos se transformam em barquinhos. Meias em marionetes. Retira-se o sentido prévio das coisas, liberando-as para o mundo. E assim, permite-se que se transfigurem em qualquer possibilidade que a imaginação possa criar. É um exercício de não engessamento, por vezes, muito mais complexo para os pais do que para as próprias crianças.

A CRIANÇA E SUA APROPRIAÇÃO

Por fim, na infância estamos nos desenvolvendo rumo ao futuro. É ali que começamos a promover alguns autoconceitos, tais como o autocuidado e o autoamor. Diante disso, permitir que a criança construa, através de sua imaginação, brincadeiras à sua maneira, mais do que propiciar a sedimentação de uma habilidade, faz com que os cuidadores estimulem a autoestima dos menores.

Eles assim, aprendem desde pequenos a potência que existe em suas criações. Descobrem como modificam o ambiente a seu favor, como transformam o que lhes desagrada, criando aquilo que lhes faz bem. E, dessa maneira, se tornam mais fortes e mais confiantes em suas potencialidades desde muito cedo. O produzir encoraja e faz com que eles se sintam mais felizes e seguros quanto a eles mesmos.

E nisso, os pais podem – e devem – fazer toda a diferença. E isso acontece através de uma proposição inusitada, mas bastante coerente. Baseados nos ensinamentos de Maria Montessori é preciso que os pais não façam pelos seus filhos o que eles já são capazes de fazer por eles mesmos. O que parece algo trivial, mas realmente não é. Principalmente porque os adultos, em grande parte das vezes, têm dificuldades de compreender o tempo da criança.

Entretanto, é indicado que, gradualmente, confiemos neles. Em suas ideias, habilidades e capacidades. É preciso que estimulemos neles, através de afirmações positivas, a busca por sua forma singular de enxergar o mundo. Que incitemos assim sua coragem, curiosidade, imaginação. E, se assim conseguirmos, como consequência quase inequívoca, nossos pequenos se tornarão pessoas não apenas mais inventivas, mas mais fortes e confiantes.

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